sábado, 31 de maio de 2008

No caldeirããooooo

Sábado chuvoso, sem futebol, fui assistir ao “Caldeirão do Huck”. Peguei logo a final do quadro “Soletrando”, que reúne vencedores regionais em disputas de soletração. São crianças, na faixa dos treze aos quinze anos, que primeiro se destacaram em suas escolas, depois em seus estados e agora se enfrentam, três a três, nos sábados globais.

Graças à atração global, esse tipo de atividade vem se tornando cada vez mais usual em escolas e até mesmo ocupado horas de recreação familiar. Quem assiste aos filmes americanos que passam (repassam e são passados novamente) nas infindáveis “Sessões da tarde” já sabe que a prática é bastante comum nos Estados Unidos. Há décadas que existem grandes concursos de soletração no país, com centenas de milhares de participantes, submetidos a uma competição quase que nos moldes da tupiniquim: regionalizações e uma grande final.

Para ser sincero, eu gosto desse “espetáculo”. Pela primeira vez podemos ver algo que realmente incentive e exija dedicação, estudo e principalmente leitura dos estudantes brasileiros. Um pioneirismo ousado no país onde uma boa bunda e um par de peitos valem mais que uma formação acadêmica. Claro, é um show, com todos os seus méritos e defeitos, mas foge completamente do velho formato do “quizshow”, que falsamente é dito como medidor de conhecimentos.

Como descrevi, o grande impacto desse concurso não é a mudança de vida do ganhador, um indivíduo iluminado em meio a um mar de educação falha, esquecida e desvalorizada. O magnífico é que o resultado, invariavelmente, é um maior número de crianças lendo, pensando, saindo da nuvem nebulosa chamada “preguiça de ler”. Claro, alguns nunca mudarão, outros dificilmente criarão hábitos da mais maravilhosa das artes, mas se uma quantidade conseguir se fartar no banquete magistral dos livros, realmente experimentando o suculento e viciante gosto da leitura, a missão estará cumprida.

Mas voltando ao programa de hoje, na finalíssima estavam a representante do Rio de Janeiro, Amanda, a do Paraná, Thafne e o garoto de Minas Gerais, Éder. As origens e histórias são tão diferentes quanto seus sotaques. A carioca, de classe média, não foge do estereótipo das meninas precoces do rio. Com namoradinho e tudo, foi toda maquiada ao programa. Não que isso seja ruim, mas foi somente isso que foi passado para o telespectador sobre a participante; A garota da terra das araucárias, aluna da escola militar de Curitiba e também de classe média, é personagem de uma situação antípoda: ao mesmo tempo, a participante mais nova e uma das mais altas da competição; Já Éder tem uma história mais comovente: vive com os pais e mais três irmãos em uma das regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha. A família vive com duzentos reais mensais, sendo metade desse dinheiro proveniente do programa bolsa família e a outra metade dos bicos do patriarca.

Os três mostravam grande habilidade, mas a primeira a sair foi Amanda. Após sua saída, o que se viu foi um grande duelo entre os dois remanescentes. Por alguns momentos a batalha foi ampliada ao nível estadual pelo apresentador Luciano Huck. O embate virou Paraná x Minas Gerais. E assim se seguiu por diversas e difíceis rodadas. O autor aqui teria sido sumariamente eliminado em uma das mais belas flores, a Hortênsia. Talvez o leitor jure de pés juntos, como jurei, que se escreve com “C”, mas estamos redondamente enganados.

Porém, a paranaense errou em uma palavra, que se não é desconhecida, está muito próxima disto: hagiológio. O significado, graças ao dicionário Aurélio: tratado da vida dos santos ou das coisas santas. Já o mineirinho, mostrando grande destreza, conseguiu escapar da psicroestesia, que é a sensação de frio em alguma parte do corpo quando, na verdade, ela está aquecida.

Portanto, após essa tarde insossa e nebulosa, senti um pouco de otimismo atingindo meus calcanhares como as ondas da maré baixa. Tomara que a substância principal desse nosso mar – morto - comece a mudar, de um sistema de ensino público fraco e ineficiente para águas mais claras e tranqüilas. No oceano dos livros – e do conhecimento -, viver não é preciso, navegar é.

5 comentários:

Renata Santos disse...

Não consigo acreditar que essa reflexão tenha partido do nosso narigudo e fraterno Huck: loucura, loucura, loucura!
Muito bom, Auber! Ócio criativo é pouco! hahahahahahaha
Bom de verdade!!!!

Auber Silva disse...

Ah, apesar de eu ser amigo pessoal do Luciano e freqüentar a casa dele, como no aniversário do pequeno Joaquim, essa matéria não foi paga!

Ainda não transformamos nosso blog em uma veja eletrônica. "É apenas um lugar fechado para os amiguinhos ficarem trocando textos" GANCHÃO, José./2008

Grato.

Oscar disse...

A intenção é boa, o que fode é o babaca do apresentador.

Luiza disse...

Hahahahahahha
Ahh, eu curto o "soletrando", quando vou almoçar no Phill de sábado sempre fico tentando soletrar antes das crianças! Queria ter visto a final, mas perdi...
Enfim, é realmente uma iniciativa louvável.

"O que estraga é o babaca do apresentador", concordo inteiramente. (e óbvio que eu não ia sujar meu comentário com um palavrão, mesmo que fosse para ser fiel na citação :x e a rima não foi intencional, estou pensando em outra forma de dizer, mas na verdade ainda não terminei minha resenha e tenho que ir).

Adiós!

Anônimo disse...

"hortência" sem dúvida é bem pior que "rouchinol"...(:P)...mas enfim...

nas outras edições eu assistia mais o "soletrando", mas nessa eu só assisti o último dia (entre colheradas de sopa e cochilos debaixo de cobertores quentes).
Também acho que programas como esse, desde que feitos com seriedade, podem sim incentivar as crianças e os jovens, em geral avessos aos livros (a maioria dos meus amigos é assim) a começarem a ler mais, e quem sabe largar um pouco os videogames, os bate-papos virtuais e a própria televisão.
A única coisa que me chateia é que nada me tira da cabeça que na frente dessa iniciativa "boazinha",de dar dinheiro para investir nos estudos de um aluno carente,ajudar sua escola e incentivar a leitura entre os jovens está o puro e simples interesse comercial. Se o "soletrando" não fôsse um quadro que desse audiência e interessante comercialmente,quem estaria interessado em ajudar qualquer jovem a progredir nos estudos?
Eu sei que é ingenuidade minha querer ver alguém que tenha a iniciativa de fazer bem aos outros sem nenhum interesse de lucro financeiro por trás disso. Mas eu conheço gente que tem esse tipo de sonho, e são pessoas que às vezes ainda conseguem me convencer de que nem tudo na vida está perdido.